A Criação de Adão

Imagem da obra "A Criação de Adão" que faz parte do conjunto de pinturas executadas no teto da Capela Sistina por Michelangelo, onde retrata Adão deitado no chão, sendo chamado à vida por um toque da Mão de Deus.

Não é exagerado dizer que a imagem de Deus Pai, tal como tem vivido no espírito de gerações após gerações, não só de artistas, mas também de gente humilde que provavelmente nunca ouviu falar em Michelangelo, foi modelada e ganhou forma através da influência direta e indireta dessas grandes visões em que Michelangelo ilustrou o ato da criação. Talvez o mais famoso e mais impressionante dentre eles seja o da Criação de Adão em um dos grandes campos. Artistas anteriores a Michelangelo já tinham pintado Adão deitado no chão e sendo chamado à vida por um simples toque da mão de Deus, mas nenhum deles se aproximara sequer de expressar a grandeza do mistério da Criação com tamanha simplicidade e força. Nada existe no quadro que desvie a atenção do tema principal. Adão está deitado no chão, com toda a beleza e vigor que convém ao primeiro homem, do outro lado, Deus Pai aproxima-se, transportado e emparado por seus anjos, envolto num amplo e majestoso manto soprado pelo vento como uma vela panda e sugerindo a facilidade e rapidez com que ele flutua no vazio. Quando estende sua mão, nem mesmo tocando no dedo de Adão, quase vemos o primeiro homem despertar, como que de um profundo sono, e fixar os olhos no rosto do Criador. É um dos maiores milagres da arte como Michelangelo logrou fazer do toque da mão divina o centro e o foco do quadro, e como nos fez ver a ideia de onipotência através do desembaraço e da força desse gesto de criação. ¹

É impossível que Michelangelo não recordara o antigo hino: "Veni creator spiritus - destrae dei tu digitus - ascende lumen sensibus". Na Sistina parece que Adão, o homem, deseja que venha o Espírito Criador que lhe acorde com um dedo da sua mão direita e dê luz, claridade aos seus sentidos. ²

Nesta obra, Michelangelo mostra a transmissão da centelha divina - a alma - conseguindo deste modo uma justaposição dramática do homem e de Deus sem paralelo em qualquer outro artista. Jacopo Della Quercia andou próximo, mas falta-lhe o dinamismo da concepção de Michelangelo, que faz contrastar um Adão preso à terra com a figura de Deus perpassando pelos céus. Esta relação torna-se mais significativa quando percebemos que Adão tenta alcançar, não apenas o seu Criador, mas também Eva, que ele vê, ainda por nascer, sob a proteção do braço esquerdo do Senhor. ¹

Dos dois indicadores aproximados parece brotar a centelha de vida que dará origem a toda a humanidade. Verdadeira estátua do parnaso grego animada por um sopro irresistível. Adão é a própria encarnação da vida no seu despontar. A extraordinária liberdade da atitude, a ternura do gesto e o abandono desse corpo indolentemente apoiado num cotovelo sobre a própria terra nua que acaba de ser entregue ao espaço, tudo isso faz desse ser de olhar novo o símbolo do despertar da humanidade. Nada há talvez de mais comovente em toda a história da pintura que o gesto dessas duas mãos tão próximas que se sentem sem se tocar e desse olhar carregado de todas as esperanças de vida. ³

Descendente das vitórias antigas que figuram nos arcos de triunfos imperiais, Deus possui uma energia e um dinamismo violento, que comunica aos Putti que arrasta consigo e aos drapeados que o cercam como uma nuvem carregada de tempestade. Se o seu rosto é o de um velho, o corpo é o de um homem jovem com os músculos treinados e os membros vigorosos, cuja energia se propaga a cada fibra do seu ser. ao langor de Adão e à sua solidão responde a força imanente de Deus rodeado pelos seus anjos. ³

Aqui está uma obra cujo significado nos é muito importante:  a nossa própria criação. O ser humano sempre quis saber de onde veio. E aí vem Michelangelo e faz esta pintura que é uma verdadeira poesia do momento da Criação, dentro de um trabalho magnífico que é a obra do teto da Capela Sistina.

Referências Bibliográficas:
¹ GOMBRICH, H. E. História da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1979
² PIJOAN, José. Summa Artis: História General del Arte (3ª Ed.) Madrid: Espasa-Calpe, 1950
³ ARBOUR, Renée. Miguel Angelo. Lisboa: Verbo, 1973.

Comentários

  1. Raul, as pinturas do teto da Capela Sistina são realmente arte, encanto e poesia. Tive o prazer de as poder apreciar ao "vivo" a semana passada. Excelente blogue meus parabéns.
    Um abraço
    Maria

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  2. Oi, Raul!
    Uma obra belíssima!! Mas será que faria o mesmo sucesso se Adão fosse retratado como um homo sapiens? :D Não querendo tirar a magia das histórias bíblicas, mas apenas constatando mais uma vez, que o homem sempre foi conquistado pelo belo e invisível aos olhos.
    Beijus,

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    1. Olá Luma!
      Retratar o homo sapiens exatamente como se originou, acho que naquela época e local não teria nem sido aceito.
      Desde muito tempo, o ideal foi buscado de alguma maneira, e a representação desta imagem perfeita e utópica, foi mostrada desde a Grécia clássica pelo belo, e desta maneira o invisível tomou forma em alguns momentos, portanto até a atualidade o homem é fascinado por estas imagens.
      Bjos.

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  4. O inexplicável não enseja uma resposta e ignora a arrogância da dúvida. O suprassensível não se revela aos olhos, e sim, ao coração dos que anseiam pela verdade fora das fronteiras deste mundo de ilusões.

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  5. Mauro Teixeira dos Santos9 de novembro de 2018 às 22:32

    O inexplicável não enseja uma resposta e ignora a arrogância da dúvida. O suprassensível não se revela aos olhos, e sim, ao coração dos que anseiam pela verdade fora das fronteiras desde mundo de ilusões.

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