Obra pintada em aquarela sobre litografia, pelo artista francês Jean
Baptiste Debret, quando da sua vinda para o Brasil, onde permaneceu entre os anos
de 1816 e 1831. Vindo como membro da Missão Artística Francesa, concebida para
introduzir o ensino de artes plásticas no Brasil, o artista realizou diversas
pinturas para retratar o cotidiano do Brasil do século XIX e a realeza de
Portugal, que viera para sua colônia em 1808 por ocasião da invasão francesa ao
território português.
As obras pintadas de
Debret serviram, posteriormente, para definir os textos da sua obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil,
publicada entre os anos de 1834 e 1839.
Contextualizando
historicamente, podemos colocar a vinda da família real para o Brasil um processo importante na possibilidade de artistas estrangeiros virem ao país
para retratar um mundo até então desconhecido para muitos. A abertura dos
portos as nações amigas, decretada por Dom João VI, contribuiu para a posterior
vinda da Missão Artística Francesa.
Com relação à
análise da imagem, atenho-me à maneira que Debret retrata a família. Formada em fila indiana, acredito que queira mostrar um traço bastante comum da
sociedade da época, pautada pelo patriarcalismo e pela hierarquia. O
funcionário, um homem, guia sua família em um passeio pela rua, parecendo-me
retratar a ordem de status de cada personagem, vindo os filhos atrás do pai, a
mãe e os escravos, em ordem hierárquica.
Nota-se que os escravos
distinguiam-se pelas funções que cumpriam, sendo a ama da mãe mais importante
que o escravo que realizava trabalhos mais pesados. Segundo estudos, era típica da
sociedade da época essa relação com seus escravos e suas diferenciações.
Voltando à forma hierarquizada que concebe a família, Debret parece-me representar como a hierarquia formada na casa
expande-se para a rua, local, em princípio, considerado público, com as mulheres, por exemplo, sendo meros apêndices
do homem. Podemos induzir, além disso, nessa relação de hierarquia, a invasão de um
espaço público tal qual se realiza na casa, com seus preconceitos e preferências.
Creio que aqui seja interessante
fazer uma relação com a sociedade brasileira atual, e mostrar como a obra
ainda pode representar algumas características que a marcam. Na medida em que
não se diferencia o público do privado, marcamos um espaço de encontro com
vários desconhecidos tal qual o temos em casa, com nossos ranços, "gostos" e juízos preconcebidos, desfavorecendo a construção de um cidadão que saiba diferenciar o pessoal do impessoal. Podemos relatar as relações de nepotismo como exemplo, e a preferência dos brasileiros em privilegiar as relações pessoais
até mesmo nas instituições públicas, dando ênfase aos amigos e familiares. Ou quando há indivíduos "superiores", que largam frases como "você sabe com quem está falando?", pois seu tempo e vaidade são mais importantes que o do co-cidadão.
Creio, então(ainda que seja apenas uma análise especulativa), que Debret quis mostrar, na aquarela, uma forte hierarquia, reproduzindo como
eram fortes as relações sociais verticalizadas, nas quais o espaço privado
invadia tal qual o público, e que marcaria fortemente a sociedade brasileira, dificultando a construção de relações iguais e democráticas dentro dos espaços público e privado.
Uma análise aguçada da obra do Debret, digna de um historiador ao relacioná-la com a sociedade da época e seus reflexos na atualidade.
ResponderExcluirMuito do nosso imaginário do Brasil colonial deve-se à obra de Debret, não tem como analisar uma obra dele sem contextualizar com o período, até porque, este era o seu objetivo, mostrar como era a vida naquele lugar "pitoresco".
Parabéns pela análise
ResponderExcluirInteressante.
ResponderExcluiroi
ResponderExcluirn me ajudou
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