Algumas das obras da escultura clássica que desfrutaram maior fama em épocas ulteriores, foram criadas durante o período helenístico. Quando o Grupo de Laocoonte foi descoberto em 1506, seu efeito trágico causou profundo impacto emocional nos artistas e amantes da arte.
O grupo representa a terrível cena que é também descrita na Eneida, de Virgílio: O sacerdote troiano Laocoonte advertiu seus compatriotas para que não aceitassem o cavalo de madeira em que estavam escondidos os soldados gregos. Os deuses, que viram os seus planos de destruição de Tróia contrariados, enviaram duas gigantescas serpentes-do-mar que apanharam o sacerdote e seus dois infelizes filhos em seus anéis e os estrangularam. É uma das histórias de absurda crueldade perpetrada pelos deuses olímpicos contra os pobres mortais, e que são muito frequentes nas mitologias grega e latina. Gostaríamos de saber como a história impressionou o artista grego que concebeu esse impressionante grupo. Quereria ele que sentíssemos o horror de uma cena em que se fez sofrer uma vítima inocente por ter falado a verdade? Ou quereria, principalmente, exibir seu próprio poder de representar uma luta aterradora e algo sensacional entre homem e besta? Ele tinha todas as razões para se orgulhar de sua habilidade. A maneira como os músculos do tronco e dos braços transmitem a ideia de esforço e sofrimento da luta desesperada, a expressão de dor no rosto do sacerdote, as contorções impotentes dos dois rapazes e o modo que todo esse movimento e agitação foi imobilizado num grupo permanente, têm excitado a admiração constante desde então. (1)
Pode-se suspeitar de que era uma arte cuja intenção consistia em atrair um público que também se deleitava no horrível espetáculo das lutas de gladiadores. Talvez seja errôneo recriminar o artista por isso. O fato é que provavelmente nessa época, o período do helenismo, a arte já perdera largamente suas antigas vinculações com a magia e a religião. Os artistas passaram a interessar-se pelos problemas de seu ofício em termos de arte pela arte, e o problema de como representar tão dramática luta com todo o seu movimento, sua expressão e tensão, era justamente o tipo de tarefa que testaria a audácia e a tempera de um artista. Os acertos ou erros do destino reservado a Laocoonte podem não ter ocorrido sequer ao espírito do escultor. (2)
Disse Plinio, que o Grupo de Laocoonte está talhado em um só mármore, coisa inexata, pois que na realidade é feito de sete partes, porém tão maravilhosamente ajustadas que Michelangelo não pode distinguir mais de três juntas. (3)
O estilo (e a própria disposição das três figuras, à maneira de baixo-relevo) inspira-se no friso de Pérgamo, embora o seu dinamismo nos pareça forçado e pouco natural. Pensou-se durante muito tempo que se tratava de um original grego, de um grupo executado por Hagesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes e que, segundo descrição de Plínio, se encontrava no Palácio do Imperador Tito. Atualmente, julga-se que é uma cópia ou reconstituição romana de uma obra helenística tardia. O tema possuía uma significação especial para os romanos: a punição divina inflingida a Laocoonte e seus Filhos foi para Eneias uma advertência da queda iminente de Tróia e levou-o a fugir da cidade a tempo. Como se acreditava que Eneias viera para a Itália e que dele descendiam Rômulo e Remo; A morte de Laocoonte podia ser encarada como o primeiro elo de uma cadeia de acontecimentos que levou mais tarde à fundação da cidade de Roma. (4)
O grupo de Laocoonte, ao meu ver, representa bem o período em que está situado. Não é daquelas esculturas gregas serenas do período clássico e sim uma escultura de um estilo meio barroco com traços clássicos, na qual a complexidade da composição e o desespero dos personagens mostra que a arte está situada em um período que não é mais aquele da Pólis e sim um outro momento em que a vida está sofrendo uma profunda transformação, no qual o indivíduo deixou de ser completo e se transformou em um indivíduo compartimentado, assim como a técnica da obra aqui descrita.
Fontes:
(1) e (2) GOMBRICH, H. E. História da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1979
(3) PIJOAN, José. Summa Artis: História General del Arte (3ª Ed.) Madrid: Espasa - Calpe, 1950
(4) JANSON, H. W. História da Arte. Lisboa: Gulbenkan, 1977.
Imagem: Wikipédia
Olá Raul,
ResponderExcluirUm texto muito bonito sobre a peça escultórica.
Obrigada pela sua visita. Feliz Primavera, é a estação que mais adoro. :))
Beijinho.